sexta-feira, 8 de abril de 2011

O prazer das tragédias

A palavra tragédia, vinda do grego, significa uma "forma de drama em que frequentemente há um conflito entre um personagem e algum poder de instância maior, como a lei, os deuses, o destino ou a sociedade" (wikipedia). Com o tempo, esse conceito alterou-se. Atualmente, tragédia significa "acontecimento que desperta lástima ou horror; ocorrência funesta; sinistro" (Dicionário Aurélio)

A partir disso, é de impressionar como o ser humano alimenta as tragédias que ocorrem no mundo. No mundo contemporâneo em que se vive então, nem se fala. Porém, essa é uma questão histórica e filosoficamente tratada, desde tempos remotos.

Valho-me de um estudo de Christiani Margareth de Menezes e Silva, doutoranda pela PUC-RJ, em que ela disserta sobre a representação da tragédia (grega, é verdade, mas que pode ser analisada contemporaneamente também), através de pinturas e teatros, por exemplo, na visão aristotélica.



Segundo seu artigo SOBRE O PRAZER DA TRAGÉDIA EM ARISTÓTELES (http://www.ifcs.ufrj.br/~afc/2009/MENEZES.pdf), Aristóteles - em suas obras Retórica e Poética - afirmava que, à primeira vista, parece que a tragédia não proporciona prazer (hédone), mas dor (lype). Contudo, no decorrer das obras, o grego explica que todo ser humano possui a mímesis (imitação) intrinsecamente associado à sua vida, desde seus primeiros anos. Inclusive, é uma forma de conhecimento de mundo e de si mesmo.

E essa "imitação" que é reconhecida pelo homem lhe dá uma sensação de prazer. De acordo com Menezes, "Todos os homens sentem prazer em reconhecer o que lhes aparece através do mímema. Mesmo o que é repugnante na realidade é prazeroso ao ser mostrado através do mimético, mas isso porque aprendemos reconhecendo o que o mímema apresenta, e esse prazer em reconhecer é partilhado por todos os homens."

Nessa seara, reportemo-nos ao caso ocorrido ontem, dia 07/04/2011, no Rio de Janeiro. Um homem invadiu uma escola municipal no Rio de Janeiro e matou - até o momento - 12 crianças, com idades entre 12 e 14 anos. Fora dezenas de feridos que ainda correm risco de morte.

O crime foi bárbaro e chocante, não há dúvidas nisso. Ainda mais que foi cometido contra crianças, que sempre são referidas como seres humanos mais puros e mais indefesos do que os adultos.

Por isso, os meios de comunicação não falaram de outra coisa. Inclusive os canais e programas dedicados a esportes, músicas e outros comentaram, ainda que de forma breve, sobre o ocorrido.

Um canal jornalístico de TV fechada (ou seja, canal de TV a cabo, que precisa pagar para assisti-lo)  ficou nessa notícia das 10 até 24 horas de ontem, concluindo com uma "História sobre os crimes em escolas que ocorreram no mundo"!!!

Eu, particularmente, fiquei sabendo do fato em torno de 1 hora após o ocorrido. Li sobre ele na própria internet e pronto. Depois não vi nenhum jornal televisivo, nem li nos jornais de hoje a repercussão e o detalhamento do crime.

Praticamente todas as pessoas que se debruçaram sobre esse caso - que eu conheço - choraram. Foi-me dito inclusive que até algum(ns) jornalista(s) chorou(choraram) ou estavam com os olhos marejados apresentando a reportagem.

Pois bem, eu me pergunto: qual a utilidade de se debruçar tanto nisso? Vejam bem, não estou dizendo que é algo que não deveria ser veiculado, noticiado. Mas por que detalhar tanto? Por que mostrar imagens de crianças ensanguentadas; entrevistar alunos que sobreviveram, com seus 10 anos de idade; etc etc? Por que tanto sensacionalismo? 

Simples: porque o ser humano quer isso. Ele sente prazer em ver isso. Alimenta-se disso. Para de almoçar para assistir; para de trabalhar, para de conversar, para com tudo.  Mesmo se ele já viu a notícia, já leu, já sabe do que aconteceu. Mas não é o bastante. Tem que saber mais. Tem que saber dos pais das crianças mortas, dos irmãos, das crianças que sobreviveram, das que eram da mesma sala e das que não eram; tem que saber do pessoal que mora no bairro, etc etc.

É por isso que todo jornal (seja falado ou escrito) só divulga notícia ruim. Notícia boa não vende, não dá ibope. Não dá prazer ao ser humano.
No final de seu belo artigo, Menezes finaliza: "O efeito do trágico é despertar piedade e temor, mas o prazer da tragédia não consiste em sentir tais emoções, e sim reconhecer os fatos que levam a elas. A aprendizagem está, portanto, em compreender as ações humanas que levam ao desfecho trágico."

E esse é o argumento de muitos: "O mundo é assim. Precisamos saber dos males do mundo".

Ok, mas será que precisamos dessa avalanche de cobertura relacionado a uma catástrofe bastante triste para compreender a ação humana que levou o assassino a efetuar tal ato? Precisamos ver fotos de crianças sangrando? Isso faz parte da tal "aprendizagem"? 

E outra: o mundo só tem males? E as notícias boas de ontem? Não teve nenhuma?

Se temos de compreender as ações humanas, vamos compreender através das ações boas também.
 
Enfim, isso me recorda certa vez em que um professor - que tive há uns 10 anos - disse à turma: "Eu não entendo. Se alguém entrar nessa sala e avisar que o Nobel da paz, o Nobel de Literatura ou um grande pensador está ali fora, 3 ou 4 pessoas vão sair para tentar conversar com ele. Agora, se alguém entrar aqui e avisar que na ali na frente houve um acidente com morte, todas as 200 pessoas vão sair da sala para verem o ocorrido".

Eu também não entendo...

6 comentários:

  1. Parabéns, meu filho, pelo rico e precioso texto. Oxalá, as pessoas se conscientizem de que a exploração midiática só serve para atiçar a curiosidade de sádicos e aumentar o sofrimento das vítimas e familiares, envolvidos nas tragédias. Abaixo as redes de comunicação: televisivas, escritas, faladas e o Fantástico que deveria se ater apenas à informação, e, não, ficar arrebanhando as pessoas, consolidando ainda mais seus sofrimentos.
    O nome está errado: deveria se chamar FANÁTICO.
    Beijos,
    Fátima Soares Rodrigues

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  2. Ótima reflexão. Parabéns pelo blog, abs, Gustavo

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  3. Parabens pela reflexao e sucesso na sua graduacao. Tatiana (amiga da Elaine).

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  4. muito legal, faus. realmente isso so faz as pessoas ficarem mais tristes.. o jornal devia ter noticias boas! por isso q odeio jornal nacional e nunca leio jornal, so as vezes as noticias de esporte, rsrsrs. bjos lili

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  5. Em minha humilde opinião:
    Todos os meios de comunicação se limitaram em falar durante horas a fio sobre o ocorrido, mas nenhum se deu ao trabalho de nos inserir no contexto do jovem que cometeu tal ato. O interesse dos grandes meios de comunicação em descontextualizar certos acontecimentos é justamente impulsionar a classe média para que esta pressione o governo exigindo um aumento absurdo dos investimentos em segurança pública, o que tornaria nossa sociedade ainda mais opressora.
    Parabéns pelo texto, amigo!!!

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  6. Ah, este é um assunto que adoro. E o assunto não é a tragédia - e sim expressar uma equação na qual eu muito acredito: PRAZER = - DOR, ou seja, o prazer é O ALÍVIO DA DOR. (Apliquei o sinal de "menos" na equação exatamente pela sua propriedade de se tornar algo positivo quando invertemos a fórmula.)

    Comparo o prazer ao frio. O frio, por si só, não existe. O frio é o "alívio", a ausência de calor. Acredito que o mimetismo lembrado tenha todo esse potencial sado-masoquista exatamente por se tratar de um mimetismo "condicionado" - aliás, extirpo a consideração do "masoquismo" deste meu comentário. Não há nada de masoquista em flagrar o calor da tragédia estando-se do outro lado da redoma, no aconchego do escritório ou do lar.

    Lucas, você mencionou que não soube de uma única pessoa que NÃO chorou ao relatar sobre o mesma atrocidade. Assumo que não chorei, em momento algum, mas que, em muitos momentos me emocionei. E me emocionei muito mais por raiva, por indignação do que por dó, por pesar, como solidariedade...

    Fiquei realmente comovido, PUTO, ao testemunhar o segundo pior episódio de toda essa tragédia. O pior, todos sabemos qual foi - o segundo pior, sabem todos aqueles que estiveram ligados no sinal da Rede Record. Todos sabemos, mas nem todos se deram conta da estupidez dessa emissora.

    Com toda ufania, a garbosa âncora de um noticíário exaltou a posse de um registro "exclusivo" filmado momentos após o horrendo derramamento de sangue. Pois pra mim, tão asqueroso quanto conhecer os detalhes da tragédia foi acompanhar o "tour" daquele meliante que captou flagrantes imagens enquanto atravessava um cenário de terror. E como tripulante de um "trem fantasma" de parques de diversões (?!) me vi guiado pelo mesmo meliante, que a cada passo criava algum tipo de situação deveras embaraçosa para apresentar ao seu futuro público. O cinegrafista amador atuava como um médico "açougueiro", que após fazer a "anamnese" de cada um de seus "pacientes", deixava-o de lado, a Deus dará, como se fosse mais uma carcaça a ser ajuntada numa pilha de ossos de frigoriífico. Vale citar o caso, e esse sim quase me fez chorar, de um garoto que estava quietinho, provavelmente acuado com a dor que um ferimento a bala deva causar, e que foi importunado por esse sujeito armado com uma maldito telemóvel dotado de câmera fotográfica. O malicioso cinegrafista fez a "anamnese" de sempre e dignosticou que o melhor seria o menino baleado retirar-se da posição mais segura em que poderia estar (deitado) e enfurnar-se em uma turbulenta multidão ávida por atendimento médico.

    Na linguagem cinematográfica utilizamos o termo "diegese" para designar aquela atmosfera (gostosa ou não) em que penetramos no momento em que já não nos sentimos neste mundo real - então estamos intimamente envolvidos pela trama e pelos personagens. Não há diegese no teatro - não penetramos absolutamente em atmosfera alguma - sentimos conscientimente que tudo não passa de interpretação, que há um palco a nossa frente, e que sobre ele há cenários, atores que recebem para representar e lâmpadas que acedem e apagam enquanto dão sentido à trama.

    A vida humana transmitida pela televisão também cria uma espécie de diegese. Mas seu funcionamento se dá pelo "alívio da dor". Percebemos a diegese quando não há mais ela. A diegese da TV se dá quando percebemos que ela já passou, quando a notícia ruim acaba e o apresentador do telejornal sorri, dando seguimento ao conteúdo programado. Isso dá prazer - ufa - é o fim da diegese, eis o alívio da dor!

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